sexta-feira, 20 de abril de 2012

A BELA É A FERA



Mais um poente entre os hiatos do dia,
Nada mais ali sofreria,
talvez indecente, era o vestido talhado por homens
e o batom, impregnado por jovens
que sua pele, indiscriminadamente sentia;
e na volúpia tardia de um fim de tarde,
eloqüente
simplesmente dizia
não,
nada mais ali sofreria!

Renascia, tardiamente bela
Pelos contornos umedecidos que a chuva esquecia
Ao debruçar-se na janela
Ali aparecia,
Livremente,
tempestuosa e indecente,
ali ressurgia,
cinicamente bela
em lágrimas de uma cínica íris
que mata, e que gela
ali encontravas teu fim
chorando em segredo
Os olhos da Fera

Dor do amanhã que dilacera
vinha para o abominável,
perro dos latidos inconformados
dilacerada fera
celerado dos campos do Himeneu mortuário
ela vinha sem forma
amorfa flor do desejo brutal
vinha com as asas das vestes de um libertário
e com os profanos olhos do ser
serpentário
enrustido na devassidão da fumaça
olhos de sangue na dor da última taça
O segredo soturno do extermínio
puro
absoluto
da anti-raça
do libertino!

Na conquista diária de uma noite indelével
e sobretudo, devassa
lá estava ela
espectralmente bela
nos olhos de fumaça
novamente a foice e o pé de cabra
na dor que ultrapassa
e que mói, e dilacera
a alma que dói
nesta presente ausência que impera
nos olhos de sangue
dos beijos da fera

Sim,
lá estava ela
debruçada no parapeito
esquecido da janela
numa dor atenuada cuja máscara sorria
e ali, no entroncamento dos dias de perdição
insistia solitária
com sua máscara mortuária
em delírios de homens,
cujas bocas ainda jovens
impregnadas da seiva vital   
mastigavam o prazer em nostalgia
que do canto escorria
para o fundo de uma garganta
assolada pela convulsão,
e simplesmente lhe dizia
não,
nada mais ali sofreria
quando de fome sentia
e de medo fremia
o contar implacável dos dias
os passos lentos das trevas
e os goles rápidos da escuridão
sem tempo, sem era
No gosto negro de um esperma
contaminado de corpos passados
e de futura presente solidão !

Sim, lá estava ela
intraduzivelmente bela
chamando de antemão
tragando com teus lábios
os versos da absolvição
dançando com teus braços
as lágrimas da sedução
enraizando com tua voz
A melíflua dor  da paixão
Incontestável,
Inapreensível,
Alimentando cadáveres em baixo da terra
Impermeável
Invisível
Humana Fera,
Nunca antes vista tao bela,
Diga-nos, ó de manto angelical
Para onde nos leva?
Ó de sorriso sepulcral?
O que pintas na tela?
Será possível do teu astro
Com cera nos olhos
Amarrado em meu mastro
Ainda assim te escutar
E sem ti, escapar
Para fora de mim,
Desta vida que me parece uma cela?
Será possível sentido outro encontrar
Depois de anteposto
Ante de ti, amante mais bela,
Toda verdade em meu rosto
E mesmo assim,
Sobrepujar o desgosto
Da verdade aquela
Que nos diz sem
Tato ou conforto
Sim, és tu a fera!?

Será possível atravessar
A dor que dilacera,
Na alma obliqua
Onde ela,
Sem pudor,
Sem temor,
Sem juízos de valor
Impera?

Será possível dominar
O ardor que oblitera
Na alma o vôo
Onde ela,
Sem  penhor,
Sem senhor,
Com ares de um predador
Prolifera?

Será possível viver sem ela?
Voz que vitupera
De todas, a mais bela
E traga, para dentro do mundo
Do coração uma cratera
E grita para todos os surdos
O terror que vocifera
No acúmulo dos dias
Os olhos piscando
No parapeito da janela
A Fera
Os olhos de quimera
Os doces tão amargos
Os lábios tão belos
Nos teus beijos uma esfera
Quando ainda sentia
Sem encostar,
Quando ainda dizia
Sem palavra falar
E sorria,
No reflexo de uma lápide enfeitada de espelho
Por um vazio que não preenche
Num corte que não regenera
Para sempre uma escolha
Solitária e eterna
Ali lhe dizia,
Sozinha, insistia a bela fera,
Quando nada mais se sente
Ali, sorria
eloqüente
e simplesmente lhe dizia
não,
nada mais ali sofreria!
Seja bela, seja fera
Nada mais seria
O que de fato uma vez era!

FCastro

sábado, 14 de abril de 2012

O LOBO

Da névoa evaporada do asfalto,
Dali ele surgia,
Do respaldo de poeira cinzenta,
Nas super ligas de cobalto,
No hemisfério deturpado do olhar,
Congelado no inverno,
Dali ele crescia,
nesse entorno de acabamento moderno,
o mau perfeito e acabado,
do ser dilacerado,
dali ele renascia,
para o poente das mágoas sem retorno
dos magos sem contorno,
do diletantismo atrofiador de músculos,
e do sabores do bom gosto,
ele mentia,
e espreitava por de trás de cada porta
no paradeiro das memórias mortas
do ontem que não existia,
ali, no cético desejo de reviver o que não seria,
na decadência das notas,
amarradas na falsa filantropia,
ele existia,
e sadicamente lhe sorria,
e impertinentemente,
lhe envolvia,
e no toque tépido e lânguido de suas mãos
sentia,
todo o desejo do poder
todo o cruel amargo dissabor
de viver completamente só
numa solidão sem palavras para brindar
numa altura sem cumplicidade para respirar
o que sobrava do ar,
o que faltava do lar,
o que na ausência declamava os lugares vazios
numa imensa sala de estar,
disposta mesa sem convidados
esperados para jantar,
no declíneo do ser,
sem ter como estar,
ali ele dizia,
as palavras mais dóceis de um amor que não conhecia
e que porém,
dado o teor da necessidade de se iludir
ele fingia,
cada olhar,
na sua agonia
cada cor,
de sua poesia,
cada gesto de sublime satisfação
no calor de sua ironia,
ele dizia,
não temas, meu irmão,
estamos para além da solidão
e do querer estar perto
dos fantasmas vestidos de corpos
pelos corredores das imperfeições,
e justamente ai,
pálida feição do afeto em contradição
ele insistia,
e me erguia a mão
quando nada mais fazer poderia,
quando nada mais satisfaria,
o fogo,
ardente morte eterna do interno
quando ali aparecia
o lobo
devorador dos meus sonhos
esquecidos na taverna do inferno
dos olhos decepcionados,
maternos,
e sem dizer o que faria
me olhava subalterno,
em inaudível armadilha
sempre presente
sempre tenro,
na audível melodia
de um frágil espanto ao longo do dia,
quando sem saber
preso nesse mundo que não mais sairia
ele não mais sorriria,
quando eu,
preso nesse mundo que nem sequer sabia
que dentro de mim,
em fogo existia
era mastigado aos pedaços
pelo peso invisível e opressor
de sua aterradora companhia;
sem sequer se mexer
ele vencia
e sorria,
sem sequer os lábios tremer
quando dos caninos o meu sangue escorria
e seu vulto me dizia
palavras que uma alma não latia
uivos que humano não compreenderia
jamais,
em tudo aquilo que ele sonha e faz
jamais entenderia,
e poderia voltar atrás,
para enfrentar
o que no resto das horas de fogo
em olhos de lobo
se perdia...
o que nos últimos minutos do jogo
nos olhos do bobo
se iludia...
o que no meu túmulo para todo o sempre
arderia,
sem descanso,
sem sossego,
sem rogo,
com o passar das horas tardias
dependuradas na mandíbula do lobo
que dentro de mim,
meu irmao
nunca mais morreria...


FC

sexta feira, 6 de maio de 2011













sábado, 7 de abril de 2012

VALPURGIORGIA


Dos altos montes me inspirais,
Sacrossanto de fomes incidentais, no desvelo dos homens enquanto animais, nas florestas urbanas, sem o verde do manto, como pestes e bichos na carne e somente na carne, sem alma proliferais! 
E digo mais,
Dos altos montes infernais,
Despido das lágrimas do arrependimento,
Cercado  pelos corvos dos milharais,
Inspirai vosso falo oculto
Nas bocas tantas
Espalhadas pelas almas caladas
Que na mentira santa
Já falais!

Falai, falai,
Falo vosso do destemor,
Abocanhai, abocanhai,
Falo nosso do desamor
E invejai, invejai
Liberdade nossa que alma tua
Na castidade de uma pele crua
Numa vida não gozais!

E rasteira,
Penetrai
E ligeira,
Deflorai,
E certeira,
Devastai,
Com vossos olhos ferais
As alcovas mais profundas
Das furnas virginais
Onde teu perfume viscoso
De aspecto jocoso
Torna impuro e infecto
Com a seiva que injetais
E sem esforço transformai
O que antes eram crianças
Em porta vozes
Canibais!

E no amanhecer cabal
Após o culto bacanal
Oculto no sangue
O canino mais viral
Sem esforço transformai
O que antes era saúde
Em andarilhos amorais,
Em destinos rubros
No luto sem esperança
De rever os tantos filhos
Que com a peste
Abortais
No liquido que investe
As tais chacinas infernais
E a peste
Propagai
Quando digo que me ateste
Arrancando me as vestes
E sem alma, infectai
Engolindo no aborto o parto
Com a dor que propuseste
Dilacerando me de quatro
Quando digo que moleste
E tinjas de negro
O resplendor celeste
Da abóbada quando cai
Fulgurada na solidão agreste
Do sertão de cada homem
Desta vida que me deste
E  que tão fácil me tirais !

Sim,
Enquanto falo
Penetrai
No instinto mais mortal
Enquanto calo
Calejai
O destino mais retal
Que a cultura impõem o veto
Mas que alma mais liberta
Do embuste mais discreto
De paixao transforma o reto
E da cegueira me curais!

Sim,
Vinde para mim,
Amigo secreto
Das valpurgias orgiais
Donde mista o belo sexo
Na clareza da indistinção
Sem os gânglios culturais
E fazei de meu colo uníssono
O voz que libertai,
Vós,
Os roucos iniciais
Dessa província de cegos
E bastardos
Dos tantos filhos sem pais
Registrados na ignomínia
Das certidões cartoriais
Abalizados com as propinas
Dos cabrestos filiais
Esquartejados nas esquinas
Dos mercados transnacionais
Com gosto de estupro no rosto
Meninos Transexuais
Tragados pelo fundo do poço
Abandonados nas casas da vida
E nas macas dos hospitais

Sim,
Venham para mim
Pequenos, amortizados pelo medo
Grandes, minúsculos em segredo
Medianos, inexperimentados pelo desejo
E tragai a vital energia
Aquela que um dia
Em algum cofre aprisionais
E senti toda a alegria
Aquela que um dia
No silêncio de tais ais
Sem saber,
Assassinais!

Para assim poder
Na orgia manifesta
Da paixão para com o ser
Levemente Ser
Expiada a culpa de existir
Sem porque
De gozar sem poder
E de querer
Livremente se dar
E receber
Toda dádiva humana
Contida num único gesto
Manifesto de Prazer !

 FC