Nada mais ali sofreria,
talvez indecente, era o vestido talhado por homens
e o batom, impregnado por jovens
que sua pele, indiscriminadamente sentia;
e na volúpia tardia de um fim de tarde,
eloqüente
simplesmente dizia
não,
nada mais ali sofreria!
Renascia, tardiamente bela
Pelos contornos umedecidos que a chuva esquecia
Ao debruçar-se na janela
Ali aparecia,
Livremente,
tempestuosa e indecente,
ali ressurgia,
cinicamente bela
em lágrimas de uma cínica íris
que mata, e que gela
ali encontravas teu fim
chorando em segredo
Os olhos da Fera
Dor do amanhã que dilacera
vinha para o abominável,
perro dos latidos inconformados
dilacerada fera
celerado dos campos do Himeneu mortuário
ela vinha sem forma
amorfa flor do desejo brutal
vinha com as asas das vestes de um libertário
e com os profanos olhos do ser
serpentário
enrustido na devassidão da fumaça
olhos de sangue na dor da última taça
O segredo soturno do extermínio
puro
absoluto
da anti-raça
do libertino!
Na conquista diária de uma noite indelével
e sobretudo, devassa
lá estava ela
espectralmente bela
nos olhos de fumaça
novamente a foice e o pé de cabra
na dor que ultrapassa
e que mói, e dilacera
a alma que dói
nesta presente ausência que impera
nos olhos de sangue
dos beijos da fera
Sim,
lá estava ela
debruçada no parapeito
esquecido da janela
numa dor atenuada cuja máscara sorria
e ali, no entroncamento dos dias de perdição
insistia solitária
com sua máscara mortuária
em delírios de homens,
cujas bocas ainda jovens
impregnadas da seiva vital
mastigavam o prazer em nostalgia
que do canto escorria
para o fundo de uma garganta
assolada pela convulsão,
e simplesmente lhe dizia
não,
nada mais ali sofreria
quando de fome sentia
e de medo fremia
o contar implacável dos dias
os passos lentos das trevas
e os goles rápidos da escuridão
sem tempo, sem era
No gosto negro de um esperma
contaminado de corpos passados
e de futura presente solidão !
Sim, lá estava ela
intraduzivelmente bela
chamando de antemão
tragando com teus lábios
os versos da absolvição
dançando com teus braços
as lágrimas da sedução
enraizando com tua voz
A melíflua dor da paixão
Incontestável,
Inapreensível,
Alimentando cadáveres em baixo da terra
Impermeável
Invisível
Humana Fera,
Nunca antes vista tao bela,
Diga-nos, ó de manto angelical
Para onde nos leva?
Ó de sorriso sepulcral?
O que pintas na tela?
Será possível do teu astro
Com cera nos olhos
Amarrado em meu mastro
Ainda assim te escutar
E sem ti, escapar
Para fora de mim,
Desta vida que me parece uma cela?
Será possível sentido outro encontrar
Depois de anteposto
Ante de ti, amante mais bela,
Toda verdade em meu rosto
E mesmo assim,
Sobrepujar o desgosto
Da verdade aquela
Que nos diz sem
Tato ou conforto
Sim, és tu a fera!?
Será possível atravessar
A dor que dilacera,
Na alma obliqua
Onde ela,
Sem pudor,
Sem temor,
Sem juízos de valor
Impera?
Será possível dominar
O ardor que oblitera
Na alma o vôo
Onde ela,
Sem penhor,
Sem senhor,
Com ares de um predador
Prolifera?
Será possível viver sem ela?
Voz que vitupera
De todas, a mais bela
E traga, para dentro do mundo
Do coração uma cratera
E grita para todos os surdos
O terror que vocifera
No acúmulo dos dias
Os olhos piscando
No parapeito da janela
A Fera
Os olhos de quimera
Os doces tão amargos
Os lábios tão belos
Nos teus beijos uma esfera
Quando ainda sentia
Sem encostar,
Quando ainda dizia
Sem palavra falar
E sorria,
No reflexo de uma lápide enfeitada de espelho
Por um vazio que não preenche
Num corte que não regenera
Para sempre uma escolha
Solitária e eterna
Ali lhe dizia,
Sozinha, insistia a bela fera,
Quando nada mais se sente
Ali, sorria
eloqüente
e simplesmente lhe dizia
não,
nada mais ali sofreria!
Seja bela, seja fera
Nada mais seria
O que de fato uma vez era!
FCastro