sexta-feira, 20 de julho de 2012

BODAS DE PRATA



Eles ainda tinham uma vida,
Fora da garrafa e do copo sem dono,
Eles tinham mais que ferida,
Fora dos tapas e do abandono,
Eles ainda tinham uma parte intacta,
Não sofrida,
Eles ainda tinham alma com olhos humanos
Almas que não estavam vendidas
Eles ainda da vida tinham o mistério
Alguma fração não corrompida
Ainda tinham jardim fora do cemitério
Tinham a cova ainda vazia
Eles ainda tinham ginga
E pele no corpo quando a face sorria
Ainda tinham batom sem veneno
E tinham charme sem poliestireno
E quando eu os vi
Para alem da carne
Também senti
Que tinham olhos que não eram de mármore
e sentimentos que não eram de vidro
para alem da noite rasa
e do fim de semana sem fim
eles ainda tinham uma casa
e uma singela flor brilhando viva no jardim
eles tinham algo que não estava mais em mim
eles ainda tinham uma vida
e um cachorro latindo mais que desespero
tinham um pássaro que não cabia na gaiola
e também um punhado de erros
mas tinham discos e uma vitrola
e um jeito de tocar essa viola
que seguravam juntos nas mãos
e se revezavam,
cantando seus versos de autentica
e cúmplice solidão
transpassavam toda a terrena angústia
e na voz de cada um se ouvia
a lentidão do passar dos dias
serena, plácida, sem dizer o que ali não havia
sem fazer o que não se queria
sem viver uma amarga histeria
de uma busca sem fim
onde nada existia
onde nada havia
nada alem da negação de si mesmo
quando tudo o que se precisa
é aceitar a cadência natural das coisas
e dar voz a poesia
sim,
eles ainda tinham uma vida
e algumas paginas lidas,
quando outras em branco
ainda suportariam
todo o espanto
de um dia acordar e perceber
que ali não estavam
que nunca estiveram
e que ali, nunca estariam

FC



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