sábado, 31 de março de 2012

DANÇA MACABRA

Era quase meia noite,
As vestes translúcidas de tuas memórias espalhavam o incenso na sala de jantar
Nos olhos, uma foice,
Na imobilidade pessoal daqueles móveis, a poeira da solidão tinha onde se apoiar
No desleixo dos dias que passam,
No acúmulo das horas que morrem,
Nas imperfeições eternas mal digeridas pelo seu inabalável senso de perfeccionismo
Era quase meia noite,
Pela janela entre aberta, golfadas entravam de ar úmido, fresco, vital
Nos olhos, um açoite!
O máximo de vida escancarado e espremido através de uma fresta,
O bálsamo renovador, o toque gélido de uma frente fria invernal,
Pálido rosto de outrora no contra fluxo de um espelho envelhecido,
Acabado pela tinta gasta de um reflexo atemporal de degredo e desvanecimento...
Não se trocavam mais os papéis de parede,
Não se regavam as plantas mortas,
Não acendiam mais a lareira...
Toda magnificência de um sonho transcendental de uma vida maravilhosamente intraduzível,
Apagado no mofo dos dias consumindo aqueles restos,
Toda energia e poder de criação, toda liberdade de uma juventude de beleza fixa e intransponível,
Aguada no morno cálido de uma aquarela desbotada nos contornos de um remorso sem precedentes,
Quando nascido para mediocridade, inevitavelmente, talvez nem se de conta,,,
Talvez apenas um zumbido mórbido o acompanhará ao longo de toda existência que caberia sequer num dia,
Talvez um ruído, as vezes mais alto, as vezes mais baixo, dependendo da febre, do grau de imunidade contra a vida,,,
Manutenção das barreiras e dos jogos de superfície eterna, cálida, protetora...
Era quase meia noite,
E se nascido para além, muito além da mediocridade, muito além da meia noite?

Seria bastardo ou suicida?
Seria peste ou pesticida?
Seria morte ou seria vida sem ida?

Do que serviria a viagem sem a ida, o convite sem o baile, a música sem o toque?
Sem se tocarem, permaneciam os cristais mudos na prateleira
Sem se olharem, permaneciam os corpos embotados num casamento
Um casulo de fadas amaldiçoadas, borboletas coloridas que só se enxergam preto e branco,
Morrer sem ver a própria cor, sem saber que o sangue é vermelho,
Tão vermelho quanto a rosa,
Tão vermelho quanto a dor de sentir a possibilidade de um amor verdadeiro atravessando o silêncio dos dias, molhando com lágrimas o travesseiro, numa lembrança tardia de pura e veemente, contínua covardia...
Tão vermelho e pungente quanto a ausência de paixão, quanto o sufocamento da energia vital com pílulas do outro dia, pílulas para agonia, pílulas para a falta de conexão sadia, pílulas para ver meu amor, se de fato tu sorrias!

Era quase meia noite,
O sangue vermelho escorria
Gotejava pelo pêndulo do carrilhão,
O tempo velho tempo urgia,
Espremia a dor amarga em um coração,
Esmagado nas paredes dos dias,
Apertado no apartamento das horas,
Sem comoção, sem redenção,
Sem limites para o sofrimento
Macerado na plasticidade das coisas
Enlatado na simplicidade das resoluções
Na há mais tempo para corações
Nada mais se cora, e sim,
No que sobrava dos fatos,
Se descora,
E quando da vida palavras no esquecimento,
Memória que não decora
Os pedaços que não viveu
A dor do amanhã sem regresso
Para o túmulo do hoje de alguém que disse
Sim, e daí, ele sofreu!
E na latência explícita de um conformismo onisciente
O que mais diria, quando visto de frente,
Sem a maquiagem do personagem satírico,
Provedor de anedotas sem fim,
De lirismo sem contenção
De pornografias sem legendas
Senão, altivamente, e com o gosto amargo da meia noite na boca,
Que se dane!
Afinal, ainda restavam os seus olhos para cegar,
Era quase meia noite,
E para quem além deles,
Ensaiamos os versos da indulgência
E nos enfeitamos para jantar?
Teria a estrela decadente luz própria?
Teria luz no seu interior?
Nesse brilho ofuscado pelo embotamento intermitente
Ali em ação, no jantar, no cafezinho, na missa, na pista de dança, no subterfúgio das carreiras,
Maridos, amigos, inimigos, etílicos, bastões, cigarros, bolas, chaves de fenda,

É mais fácil ser fanático,
É mais fácil não ser simples,
É mais fácil morrer, do que enterrar os outros!

Era quase meia noite,
E a luz da quase madrugada celestial invadia com sua melancolia os olhos soturnos desse andarilho envelhecido...
Seus lábios molhavam-se de vinho,
Seu paladar, não distinguia os venenos
A dor do silêncio é saber que ele sempre esteve lá, porém nunca nada se escutou

Era meia noite,
Não há mais pra que
Era inatingível, seus ossos não agüentariam mais outra rodada
Nos olhos, um açoite,
No copo, uma foice,
Na dor de não ser, era meia noite
Dormiria para além dos dias,
E dos sonhos que teve, e viver nunca soube...

FC















domingo, 25 de março de 2012

UM DOMINGO NO PARQUE

A noite submissa à escuridão num patio de folhas secas, onde a relva escutava as vozes de corpos perdidos entre si espalhados no parque, calava os pássaros com o vôo de morcegos de asas silenciosas...

Assim era o inicio,
Assim seria o fim
As luzes dos postes esparramavam um manto melancólico,
deprimindo seu tecido sobre a copa noturna das árvores
Relva nas folhas de João, de Jorge, de Miguel, de José, de Fernandes, de Gabriel, de Pedro, de Alexandre, de Paulo...
Relva nas folhas de Whitman alucinado no descompasso de um desejo sem fim,
Uma purgação numa carne sem limites pretejada nas entrelinhas da escuridão, rabiscada com o tempero da intimidade violada,
Da respiração ofegante,
Do sumiço da face,
Ante os olhos das trevas
O olhar que não vê
Que não enxerga
O rosto camuflado de paisagem tumular...

As árvores sopravam os cânticos do desespero
Quando as folhas caiam em braços de Caim
Assassinando no parque seus irmãos,
Contaminados pelo desejo de pedra
O beijo de Górgona, que odiava o homem mortal...

As árvores diluiam o tempo
Escondiam os relógios
As paredes eram de folhas, e a prisão se misturava com o jardim,
se escondia no tapete verde escuro, mais escuro que uma poção infernal
O verde cintilante dos olhos apagados
O verde faiscante dos batons desfigurados
O verde poluído do mar infestado de piranhas
Dilaceradas pelos próprios dentes
Piranhas da terra
Destroçadas pelas próprias garras
Agarradas pelas próprias mandíbulas
Numa eterna dor que sente
A carne rasgando a carne
A terra engolindo a terra
O poder da navalha nos olhos
Cortando a fumaça da alma, anestesiada no escuro
Abraçada por um antro de bambus, ocos, e configurados para serem abrigo da orgia de Pan,
Pele humana servida com os vinhos das verdes uvas
E com o doce ácido de um cáustico marzipan envenenado,
Petrificado
Desenhado numa maçã caída nas folhas da relva
Uma maçã envenenada
No parque sem príncipe
Uma maçã verde tingida de sangue
Da discórdia uma centelha
Uma maçã doce e vermelha
Nas labaredas de teu olhar petrificado
A escuridão insistia em penetrar seus dedos nas couraças humanas
Sem vento, a imobilidade era como um véu abrigando aqueles corpos na caçada
A morte era guardada numa urna
Uma caçada sem tiros,
Uma arma sem balas
Uma guerra noturna
De diabos contra morcegos
De ratos contra lobos
De cobras e corujas
E chacais do desespero
Negrejados
Alvejados
Baleados
Calados pela dor da masturbação
Desesperada, sem vida
Os ramos de hera envolvendo a pinha
Na dor da felicidade fugaz, sem riso
Sobressai o absoluto do nada
Medra o tirso
De pedra,
Uma paixão maldita
Os olhos de Fedra
Nas pálpebras de uma rameira, a doce videira
Rente olhar na noite submissa à escuridão
num pátio de folhas secas,
onde a relva escutando as vozes de corpos perdidos entre si espalhados no parque,
calava os pássaros,
com o vôo de morcegos de asas silenciosas...

E no encosto soturno
o rosto era tragado pelo manto do anonimato
as mãos perdidas pelos labirintos do tato
e no fundo do poço
um minotauro
no falo incompatível com o amor
falado na castração de saturno
eu falo que sofro
eu falo que sinto dor
eu falo que morro
mas os corpos não escutam
os corpos não sentem calor
e tampouco, pedem socorro
quando digo o que falo quando sofro
quando digo que morro
eterno e calado
na revoada dos pássaros da noite
os morcegos de asas silenciosas
carnívoros das trevas ocultas no sangue
o gato que comeu sua língua
e devorou sua alma
em carne viva
sem renascimento
sem percepção
almas mortas no parque dos passeios noturnos
turbado as horas
na masturbação do tempo
frágeis lábios de marzipan
envenenados pelo sereno
do promíscuo orvalho
ejaculado
de um gigante enegrecido carvalho
amolecido pelo desespero
quando enforcam-se os anjos, sem asas
silenciosas,
fantasiados de morcegos

Assim era o início,
Assim seria o fim:
Sem a possibilidade de um recomeço...

FC