terça-feira, 24 de julho de 2012

OLHOS DE DRAGÃO



Faz um tempo que partiu
Sua partida partindo meu corpo ao meio
Sua ida buscando um retorno
Um recomeço
Distancia meus sentidos dos sentidos
Momentos do nosso amor
Perco o sentido
Sem saber que ainda sinto
Perco o sabor
Sem saber que ainda minto
Perco a dor
Sem saber que ainda sofro

As tuas palavras não saem da minha cabeça
Do meu quarto, a tinta não sai da parede
Não consigo abrir a porta, sem me jogar da janela
Não consigo dizer que está morta
a beleza por trás da máscara de fera
nos olhos da bela
carruagem adormecida em meu jardim
perco o desejo
sem saber que estás em mim
perco o rumo
sem saber que não é o fim
perco a mim mesmo
sem saber onde estás

faz um tempo que partiu
com tua ida, sem a volta
num tempo de chuva
que me sorriu
teu rosto, teu sabor carinhoso de ser
me perco a vontade
de tanto não saber
nadar no mistério
me perco na idade
de não poder
obter o que quero
perco sentindo não saber
que ainda sinto
o amanhã entre nós
nosso alvorecer
perco-me de tanto saber
que além do tempo
só existe teu rosto
de tanto ser
para além de mim mesmo
o meu único encosto
apoiado em ti
em delicada comunhão
em medo persecutório
de rachar com loucura
as preciosas pedras
da nossa arte
a invencível escultura
do nosso ser
para além do tempo
e das lágrimas
do amanhecer
quando voltar a sorrir
e parar de chover
a indigesta ilusão
de não saber
se tenho o brilho dos corpos
ou se ainda carrego
o pesos dos nossos mortos...

vivendo em
minhas mãos


FC



segunda-feira, 23 de julho de 2012

ADAGIO DE UMA COTOVIA SEM VOZ



-Ela também tinha o seu lugar…
-Você não deixou ele existir,
-Muito alem daquilo que um dia seria compreensível
-Você não deixou ele falar
-Muito alem de eu e você, meu querido
-Você não deixou ele viver, enquanto ele podia, e agora estamos aqui, trancados para sempre nessa casa, no fim do mundo...


Ela também tinha o seu lugar, amarrada dentro de uma gaveta no sótão...
Eram seus olhos que não podiam falar
Eram tuas mãos que não podiam tocar
Afinal das contas, o que uma criança pode entender?
Pode escutar?
Suas vozes são os seus fantasmas, suas lagrimas reprimidas para dentro de uma garrafa de gin



Era noite quase escura,
Era branco no preto
Certo rabisco,
Incerta rasura...
Eram teus lábios no espelho
Vermelhos
Os teus olhos nos meus
E as tuas dores de cotovelo
De cotovia acidentada
De roupas velhas
Mal passadas
Do gesto,
A doce finura
E do amor,
Uma simples rasura
O indigesto gesto
Da não gestão
Da gestação passada
Amargurada
Numa árvore raquítica
Despedaçada
Pobre ilusão
Atravessada por uma corda
De um violino no pescoço
No rosto uma figueira
Flutuando em eterno exílio
E por debaixo das pálpebras
Suicídio
Dos versos sem memórias
Dos gestos sem vitórias
E um triste pedido
Para que fiques
Mesmo sabendo
Que de novo
Irás embora
Meu inverno infinito
Meu nefasto berço
Amarrado no pescoço
Junto a um terço
Que enforca
Meu menino prodígio
Sem tempo,
Meu relógio sem horas
E de novo um pedido
Para que fiques
Mesmo sabendo
Que esse tempo
Não existe no agora
Que essa vida
De dentro
Não existe lá fora


Assim cantavam as cotovias, como anjos vermelhos no telhado do céu, vestindo suas túnicas transparentes de inocência, e manchadas de desejo...
Era o céu quem lhes falava, e sua voz ainda não tinha se imbuído do timbre do fracasso humano, de todo teor do pedaço infernal habitável em um ser...
Era o céu quem lhe falava,
E a cotovia cantava,
Cantava,
Era o céu quem lhe ensinava,
E a cotovia chorava,
Chorava,
Era o céu que lhe abrigava,
E a cotovia voava,
Voava,
Inocente e feliz
Um mestre no papel de um aprendiz
Livre no seu ar
Nas suas golfadas de vida,
Uma voz para não calar
E um pensar para escrever
Todas as notas de um único vôo
Contido no incontido de um único ser
Um anjo e uma voz
Em todos os corpos
Um único ser para todos nós
Uma infinitude de corpos
Para uma única voz

Assim cantavam os anjos em alegria
Assim dançavam os homens
Fantasiados de cotovias...

FC

sexta-feira, 20 de julho de 2012

BODAS DE PRATA



Eles ainda tinham uma vida,
Fora da garrafa e do copo sem dono,
Eles tinham mais que ferida,
Fora dos tapas e do abandono,
Eles ainda tinham uma parte intacta,
Não sofrida,
Eles ainda tinham alma com olhos humanos
Almas que não estavam vendidas
Eles ainda da vida tinham o mistério
Alguma fração não corrompida
Ainda tinham jardim fora do cemitério
Tinham a cova ainda vazia
Eles ainda tinham ginga
E pele no corpo quando a face sorria
Ainda tinham batom sem veneno
E tinham charme sem poliestireno
E quando eu os vi
Para alem da carne
Também senti
Que tinham olhos que não eram de mármore
e sentimentos que não eram de vidro
para alem da noite rasa
e do fim de semana sem fim
eles ainda tinham uma casa
e uma singela flor brilhando viva no jardim
eles tinham algo que não estava mais em mim
eles ainda tinham uma vida
e um cachorro latindo mais que desespero
tinham um pássaro que não cabia na gaiola
e também um punhado de erros
mas tinham discos e uma vitrola
e um jeito de tocar essa viola
que seguravam juntos nas mãos
e se revezavam,
cantando seus versos de autentica
e cúmplice solidão
transpassavam toda a terrena angústia
e na voz de cada um se ouvia
a lentidão do passar dos dias
serena, plácida, sem dizer o que ali não havia
sem fazer o que não se queria
sem viver uma amarga histeria
de uma busca sem fim
onde nada existia
onde nada havia
nada alem da negação de si mesmo
quando tudo o que se precisa
é aceitar a cadência natural das coisas
e dar voz a poesia
sim,
eles ainda tinham uma vida
e algumas paginas lidas,
quando outras em branco
ainda suportariam
todo o espanto
de um dia acordar e perceber
que ali não estavam
que nunca estiveram
e que ali, nunca estariam

FC



domingo, 3 de junho de 2012

A CASA DA COLINA

 
Atrelado na carruagem dos sonhos,
Inusitado na paragem dos meninos risonhos,
Inesperado no inesquecível,
O que fiz eu para de fato,
Esquecer?
O que fiz eu para no ato,
Merecer,
Algo além do ingrato
Algo além da casa abandonada na colina
Devorada pelo mato,
Engolida pela neblina,
A casa dos sonhos famigerados,
No olvido das vozes
Indiferentes,
Apagados,
A casa dos sonhos deformados,
Em cópulas velozes,
Delinqüentes,
Transtornado
A casa dos sonhos calados pela eternidade voraz do não retorno
O tempo que cala
A alma que não fala
O tempo que exala
Perecimento
O tempo que falta
Para acabar
O tempo
Do desespero das almas caladas
Atreladas na carruagem da resignação
Sem tempo para agir
Sem ação
Fibras desossadas
Um Esqueleto de aço domesticado
Preso solto no jardim
Dos pássaros sem asas
Morto escopo soterrado no cemitério logo acima
Da multidão dos dias,
Acendia uma casa
A casa da colina
Resplandecia,
Com a dor matutina da áspera letargia
No engano de uma mágica rotina
Emulsionada pela inconsciência
Movida pela não reflexão
ou a mera simples da dor
Percepção
Da falta de uma perna
Quando dança a bailarina
A falta de uma coroa
Quando reina a czarina
A ausência de cor verde nas gramíneas da campina
Envolvendo de sangue a morte atemporal
Circundante,
Na colina
A casa dos sonhos de rapina
Quando a morte serpentina
Na dor que a alma nublada
Sabatina
No Túnel Sabático da introspecção
A morte dos sonhos plastificados
Pela voracidade das plantas de borrachas
Plantadas ao redor da casa
Na surdina
Enchendo os quartos com corpos
E lembranças do esquecível
Enchendo de corpos
A pscina
Com rosto no lugar dos azulejos
Com gosto humano nas pastilhas
A casa aquecida de sombras
E de possibilidades humanas
De vacinas
Para além da colina e sua loucura
a dor da rejeição e da cura
e na rapina,
do verde em preto e branco
via da casa uma ruína
desmerecimento do resto do tempo
que empregnado no olvido
ainda urdia,
e existia sem consolo gritando em suas pulseiras
acorrentado em seu olhar esguiu de ponteiro sinistro
sem pressa
o porteiro de mefisto
insistia
em somente
acontecer
na surdina
nas entranhas do porão
daquela casa
esquecida na colina
maculada pela neblina
de não ser
solidão fora das névoas
luz na escuridão
do desespero
do desengano
do obituário eterno perdulário do tempo
que passa
que amassa
que estilhaça
a massa
a taça
a caça
na colina
a casa
dos sonhos famigerados
empobrecidos
aprisionados num quadro
de ilusão
e devaneio
os sonhos das crianças
brincando na hora do recreio
adormecidos para sempre naquela colina
na dor de  uma cega imagem
enfeitados por confetes de cristal e rasos personagens
de lantejoulas e porpurina
amarga sabotagem
enfeitando os píncaros
e os cumes
rarefeitos do contratempo
numa terra sem lumes
onde não mais piscam os vagalumes
onde não mais agitam-se as vagas
onde a procela não existe fora da cela
e numa casa esquecida na colina
sem portas e sem janelas
uma casa muito engraçada
desgraçada
descalçada a cinderela
na calçada da lama
sem sapato
e sem fama
eternamente um jovem envelhecido
pelo amargo dos dias que ainda ama
Os sonhos na colina
uma casa, uma ruína
a dor que na alma
descortina
a morte repentina
da ausência em solidão
Nas terras áridas de uma alma corvina
Atrelado na carruagem dos sonhos,
Inusitado na paragem dos meninos risonhos,
Inesperado no inesquecível,
O que fiz eu para de fato,
Esquecer?
E merecer,
Algo além do esquecimento?

Fernando Castro

sábado, 12 de maio de 2012

O NAVIO FANTASMA

A pele,
Navio fantasma vaga solto pelo mar dos corpos
Fogo de uma chama em vela que arde,
Queima e arrasta as mãos úmidas pela cintura encharcada por erupções das entranhas
Estranhas
Navio fantasma que engole
A morte do pavio
A asma
Embaixo da pele,
Transparente
Veneno agudo na dor que sente e reclama
Um pavio sem chama
Sem vela,
Esse barco navio
Fantasma
Na dor de saber que não resta ninguém para culpar
E ninguém para sentir
Tua asma em volúpia
Doida em carne viva de vida e loucura
Pelas erupções cutâneas
Ao longo da cintura
Da dor de saber
O quanto de não ser esta dentro do copo
Vidro boêmio sustentáculo das tuas digitais enfermas
Quadradas no redondo da vida
Sutis porém assassinas
Em baixo do tapete
Em baixo da pele
Ardente,
Na semente da dor que não se sente
A faca de dois gumes enterrada na barriga
O punhal entre os dentes
Não sente, mas mata
Dilacera o vertebrado dentro de nós
Moendo os ossos no escuro
Transformando a alegria em fumaça
Não,
Direi eu não a tua taça
E por mais que faças desaparecer a consciência de que se perde tempo
Mesmo não admitindo o seu conluio irreversível que devora,
Os seus cegos ponteiros no mundo
Na dor de ao menos por um segundo
Não perceber que de fato dói
E arde
E rasga
Como corta o vento
Fatal do amanhã desse tempo
Fantasma
Assoprando embaixo da pele a sua velocidade sorrateira
Ardilosa
Assoprando as pétalas da rosa
Para assim
Sem mais ser
Incorrigível,
Desaparecer
Sem tempo de volta
Sem pele
E somente encarnar
A morbidez dos ossos
E encarar
A umidade da terra
E assim talvez,
Dessenterrar o próprio corpo coberto de pó
Com uma pá chamada vontade
Talvez assim os ponteiros fiquem mudos novamente
E o tempo volte a não existir
A não arrastar
A cada segundo essa carcaça para cova
Para o covil dos fantasmas
Na ilha do medo
Onde tantos navios perderam seus mastros
Onde tantos Ulisses enlouqueceram de tanto ouvir
O canto magnífico da morte
Enlouqueceram de tanto não ser,
Amarrados,
Dependurados no mastro da solidão
Na terra fantasma dos mortos
Na gélida  volúpia quente dos tantos corpos
Que se agarram para fingirem que não estão
Mortos
Um corpo fantasma
Embaixo da pele
A eterna asma de não ser
Toda humanidade ao mesmo tempo
Toda maravilha que vive
E liberta do mastro
Dilui-se em alegria
Brilha seu astro
Seu sorriso imortal
Para alem do vazio carnal daqueles corpos
Dos vivos mortos
Que sem saber
Ou talvez,
Sabendo que sabem que não sabem
Se embrulham,
Infinitamente mortos
Com a asma na pele
A asma fantasma
Daqueles corpos molhados
Dos vivos mortos
Presos dentro de um quarto
Afogados dentro de um copo

FC

sexta-feira, 4 de maio de 2012

A DAMA DE CASTRO


No alto da torre,
Tenho o que quero
O que nunca morre,
Minha dama de ferro,
Por cada orifício,
Do juntar de meus dias,
A cada desperdício
Da voracidade diluída
Por teu carinho em sufoco
Com teus excessos de colo
Em tudo que quero
Minha dama de ferro
Sempre disposta
Sempre a servir
Nas barras e nas grades
Desse grande porvir

Como posso sustentar o peso se não sei pisar?
Como deve-se caminhar quando teus olhos cuidaram para que eu não precisasse enxergar?
No fundo do poço, tinha sempre uma lama
E na escuridão dessas trevas, sempre teus olhos de ferro,
As duas lanternas
Teus olhos de Dama,
Em meus pareceres,
Em meus disparates,
Na confusão de não saber o que se quer
Estavas linda e perfumada,
Com teus lábios de mulher,
Para com minha indecisão desaparecer,
Lixando minhas garras
Com o teu infalível proteger
Costurando as minhas amarras
Num jeito invisível de preencher
Cada espaço, cada pedaço,
Cada cosmos do meu ser,
Penetrado pela tua colher,
Alerta a cada tosse
Teu xarope de sangue e de alma
Preparado na bruxaria dos confins de um ventre
Traumatizado pelos medos e fantasmas
Habitando o útero da mulher
Que em espírito dorme comigo na cama
Me abraça incestuosa
Arrancando os espinhos da rosa
Com o algodão de tua proteção
Me devora majestosa
Na pele de rainha
Nas entranhas de meu sexo
Me transforma Casto
E me faz suar
De medo com o abraço
No epíteto de uma santa
O veneno da tarântula
Maldição de aracne incestuosamente casta
Me beija vermelho
Impregnando minha vida de batom
Numa fragilidade que se arrasta
Pela cauda de meu ser
Com teus lábios de Jocasta
Oprimindo cada impulso vital
Diluindo cada grito infernal
Cada olhar de sagacidade
Arrancado a agressividade
Ativa,
Transforma meu soldado em boneca
Passiva
Passada
Passado o tempo de viver
Escondido em baixo da cama
Com fel na ponta dos dedos
Na gulosa da Dama
Sujos de coceiras e masturbação
Na mistura dos corpos
Amorfos
Embriagados na lama
Na perversão
No submundo,
Escondido
Com medo do escuro
Habitando a escuridão
Com medo  do muro
Ao redor da alma e sua imensidão
Sinto teu perfume, percebo teu lastro
No abismo dos sonhos
Sou o que sobra
Casto,
Pelos olhos da Dama,
A Dama de Castro
E de pudores me arrasto,
Assexuado, me faz carne para abutres
Deformado carniceiro
Eu digo basta
Quando voltas do pesadelo
E nos meus olhos a violência transpassa
Delicada com teu perfume
E com tuas mãos de alabastro
Escuto tua voz, e ela me diz
Castro
Sim,
Eu castro,
Na dor e no amor
Eu castro
Na alegria e na tristeza
Eu castro
Na saúde e na doença
Eu castro
Na vida e na morte
Eu lhe protejo querido filho
Querido
Castro
E na dor da castração de uma semente sem vínculo com a própria solidão
Na ausência de raiz
Sobra sequer um triz
De um risco para ultrapassar
A falta de risco
O anti casto
Engolindo até o talo
Do falo dessa agonia subversiva
De inverter o próprio ser
Na ponta do lápis,
Na ponta do risco
O anti cristo
A anti crosta
Sem borra
Sem gomorra
Na experiência da lama
A morte da dama
Para além do bem e do mal
Amputado, nunca mais
Estuprado, nunca mais
Castrado, nunca mais
Eu digo basta,
Enquanto falo
Eu digo risco
O querido filho,
E comemoro o Anti cristo
O Anti Castro  !!



FC 

sexta-feira, 20 de abril de 2012

A BELA É A FERA



Mais um poente entre os hiatos do dia,
Nada mais ali sofreria,
talvez indecente, era o vestido talhado por homens
e o batom, impregnado por jovens
que sua pele, indiscriminadamente sentia;
e na volúpia tardia de um fim de tarde,
eloqüente
simplesmente dizia
não,
nada mais ali sofreria!

Renascia, tardiamente bela
Pelos contornos umedecidos que a chuva esquecia
Ao debruçar-se na janela
Ali aparecia,
Livremente,
tempestuosa e indecente,
ali ressurgia,
cinicamente bela
em lágrimas de uma cínica íris
que mata, e que gela
ali encontravas teu fim
chorando em segredo
Os olhos da Fera

Dor do amanhã que dilacera
vinha para o abominável,
perro dos latidos inconformados
dilacerada fera
celerado dos campos do Himeneu mortuário
ela vinha sem forma
amorfa flor do desejo brutal
vinha com as asas das vestes de um libertário
e com os profanos olhos do ser
serpentário
enrustido na devassidão da fumaça
olhos de sangue na dor da última taça
O segredo soturno do extermínio
puro
absoluto
da anti-raça
do libertino!

Na conquista diária de uma noite indelével
e sobretudo, devassa
lá estava ela
espectralmente bela
nos olhos de fumaça
novamente a foice e o pé de cabra
na dor que ultrapassa
e que mói, e dilacera
a alma que dói
nesta presente ausência que impera
nos olhos de sangue
dos beijos da fera

Sim,
lá estava ela
debruçada no parapeito
esquecido da janela
numa dor atenuada cuja máscara sorria
e ali, no entroncamento dos dias de perdição
insistia solitária
com sua máscara mortuária
em delírios de homens,
cujas bocas ainda jovens
impregnadas da seiva vital   
mastigavam o prazer em nostalgia
que do canto escorria
para o fundo de uma garganta
assolada pela convulsão,
e simplesmente lhe dizia
não,
nada mais ali sofreria
quando de fome sentia
e de medo fremia
o contar implacável dos dias
os passos lentos das trevas
e os goles rápidos da escuridão
sem tempo, sem era
No gosto negro de um esperma
contaminado de corpos passados
e de futura presente solidão !

Sim, lá estava ela
intraduzivelmente bela
chamando de antemão
tragando com teus lábios
os versos da absolvição
dançando com teus braços
as lágrimas da sedução
enraizando com tua voz
A melíflua dor  da paixão
Incontestável,
Inapreensível,
Alimentando cadáveres em baixo da terra
Impermeável
Invisível
Humana Fera,
Nunca antes vista tao bela,
Diga-nos, ó de manto angelical
Para onde nos leva?
Ó de sorriso sepulcral?
O que pintas na tela?
Será possível do teu astro
Com cera nos olhos
Amarrado em meu mastro
Ainda assim te escutar
E sem ti, escapar
Para fora de mim,
Desta vida que me parece uma cela?
Será possível sentido outro encontrar
Depois de anteposto
Ante de ti, amante mais bela,
Toda verdade em meu rosto
E mesmo assim,
Sobrepujar o desgosto
Da verdade aquela
Que nos diz sem
Tato ou conforto
Sim, és tu a fera!?

Será possível atravessar
A dor que dilacera,
Na alma obliqua
Onde ela,
Sem pudor,
Sem temor,
Sem juízos de valor
Impera?

Será possível dominar
O ardor que oblitera
Na alma o vôo
Onde ela,
Sem  penhor,
Sem senhor,
Com ares de um predador
Prolifera?

Será possível viver sem ela?
Voz que vitupera
De todas, a mais bela
E traga, para dentro do mundo
Do coração uma cratera
E grita para todos os surdos
O terror que vocifera
No acúmulo dos dias
Os olhos piscando
No parapeito da janela
A Fera
Os olhos de quimera
Os doces tão amargos
Os lábios tão belos
Nos teus beijos uma esfera
Quando ainda sentia
Sem encostar,
Quando ainda dizia
Sem palavra falar
E sorria,
No reflexo de uma lápide enfeitada de espelho
Por um vazio que não preenche
Num corte que não regenera
Para sempre uma escolha
Solitária e eterna
Ali lhe dizia,
Sozinha, insistia a bela fera,
Quando nada mais se sente
Ali, sorria
eloqüente
e simplesmente lhe dizia
não,
nada mais ali sofreria!
Seja bela, seja fera
Nada mais seria
O que de fato uma vez era!

FCastro

sábado, 14 de abril de 2012

O LOBO

Da névoa evaporada do asfalto,
Dali ele surgia,
Do respaldo de poeira cinzenta,
Nas super ligas de cobalto,
No hemisfério deturpado do olhar,
Congelado no inverno,
Dali ele crescia,
nesse entorno de acabamento moderno,
o mau perfeito e acabado,
do ser dilacerado,
dali ele renascia,
para o poente das mágoas sem retorno
dos magos sem contorno,
do diletantismo atrofiador de músculos,
e do sabores do bom gosto,
ele mentia,
e espreitava por de trás de cada porta
no paradeiro das memórias mortas
do ontem que não existia,
ali, no cético desejo de reviver o que não seria,
na decadência das notas,
amarradas na falsa filantropia,
ele existia,
e sadicamente lhe sorria,
e impertinentemente,
lhe envolvia,
e no toque tépido e lânguido de suas mãos
sentia,
todo o desejo do poder
todo o cruel amargo dissabor
de viver completamente só
numa solidão sem palavras para brindar
numa altura sem cumplicidade para respirar
o que sobrava do ar,
o que faltava do lar,
o que na ausência declamava os lugares vazios
numa imensa sala de estar,
disposta mesa sem convidados
esperados para jantar,
no declíneo do ser,
sem ter como estar,
ali ele dizia,
as palavras mais dóceis de um amor que não conhecia
e que porém,
dado o teor da necessidade de se iludir
ele fingia,
cada olhar,
na sua agonia
cada cor,
de sua poesia,
cada gesto de sublime satisfação
no calor de sua ironia,
ele dizia,
não temas, meu irmão,
estamos para além da solidão
e do querer estar perto
dos fantasmas vestidos de corpos
pelos corredores das imperfeições,
e justamente ai,
pálida feição do afeto em contradição
ele insistia,
e me erguia a mão
quando nada mais fazer poderia,
quando nada mais satisfaria,
o fogo,
ardente morte eterna do interno
quando ali aparecia
o lobo
devorador dos meus sonhos
esquecidos na taverna do inferno
dos olhos decepcionados,
maternos,
e sem dizer o que faria
me olhava subalterno,
em inaudível armadilha
sempre presente
sempre tenro,
na audível melodia
de um frágil espanto ao longo do dia,
quando sem saber
preso nesse mundo que não mais sairia
ele não mais sorriria,
quando eu,
preso nesse mundo que nem sequer sabia
que dentro de mim,
em fogo existia
era mastigado aos pedaços
pelo peso invisível e opressor
de sua aterradora companhia;
sem sequer se mexer
ele vencia
e sorria,
sem sequer os lábios tremer
quando dos caninos o meu sangue escorria
e seu vulto me dizia
palavras que uma alma não latia
uivos que humano não compreenderia
jamais,
em tudo aquilo que ele sonha e faz
jamais entenderia,
e poderia voltar atrás,
para enfrentar
o que no resto das horas de fogo
em olhos de lobo
se perdia...
o que nos últimos minutos do jogo
nos olhos do bobo
se iludia...
o que no meu túmulo para todo o sempre
arderia,
sem descanso,
sem sossego,
sem rogo,
com o passar das horas tardias
dependuradas na mandíbula do lobo
que dentro de mim,
meu irmao
nunca mais morreria...


FC

sexta feira, 6 de maio de 2011













sábado, 7 de abril de 2012

VALPURGIORGIA


Dos altos montes me inspirais,
Sacrossanto de fomes incidentais, no desvelo dos homens enquanto animais, nas florestas urbanas, sem o verde do manto, como pestes e bichos na carne e somente na carne, sem alma proliferais! 
E digo mais,
Dos altos montes infernais,
Despido das lágrimas do arrependimento,
Cercado  pelos corvos dos milharais,
Inspirai vosso falo oculto
Nas bocas tantas
Espalhadas pelas almas caladas
Que na mentira santa
Já falais!

Falai, falai,
Falo vosso do destemor,
Abocanhai, abocanhai,
Falo nosso do desamor
E invejai, invejai
Liberdade nossa que alma tua
Na castidade de uma pele crua
Numa vida não gozais!

E rasteira,
Penetrai
E ligeira,
Deflorai,
E certeira,
Devastai,
Com vossos olhos ferais
As alcovas mais profundas
Das furnas virginais
Onde teu perfume viscoso
De aspecto jocoso
Torna impuro e infecto
Com a seiva que injetais
E sem esforço transformai
O que antes eram crianças
Em porta vozes
Canibais!

E no amanhecer cabal
Após o culto bacanal
Oculto no sangue
O canino mais viral
Sem esforço transformai
O que antes era saúde
Em andarilhos amorais,
Em destinos rubros
No luto sem esperança
De rever os tantos filhos
Que com a peste
Abortais
No liquido que investe
As tais chacinas infernais
E a peste
Propagai
Quando digo que me ateste
Arrancando me as vestes
E sem alma, infectai
Engolindo no aborto o parto
Com a dor que propuseste
Dilacerando me de quatro
Quando digo que moleste
E tinjas de negro
O resplendor celeste
Da abóbada quando cai
Fulgurada na solidão agreste
Do sertão de cada homem
Desta vida que me deste
E  que tão fácil me tirais !

Sim,
Enquanto falo
Penetrai
No instinto mais mortal
Enquanto calo
Calejai
O destino mais retal
Que a cultura impõem o veto
Mas que alma mais liberta
Do embuste mais discreto
De paixao transforma o reto
E da cegueira me curais!

Sim,
Vinde para mim,
Amigo secreto
Das valpurgias orgiais
Donde mista o belo sexo
Na clareza da indistinção
Sem os gânglios culturais
E fazei de meu colo uníssono
O voz que libertai,
Vós,
Os roucos iniciais
Dessa província de cegos
E bastardos
Dos tantos filhos sem pais
Registrados na ignomínia
Das certidões cartoriais
Abalizados com as propinas
Dos cabrestos filiais
Esquartejados nas esquinas
Dos mercados transnacionais
Com gosto de estupro no rosto
Meninos Transexuais
Tragados pelo fundo do poço
Abandonados nas casas da vida
E nas macas dos hospitais

Sim,
Venham para mim
Pequenos, amortizados pelo medo
Grandes, minúsculos em segredo
Medianos, inexperimentados pelo desejo
E tragai a vital energia
Aquela que um dia
Em algum cofre aprisionais
E senti toda a alegria
Aquela que um dia
No silêncio de tais ais
Sem saber,
Assassinais!

Para assim poder
Na orgia manifesta
Da paixão para com o ser
Levemente Ser
Expiada a culpa de existir
Sem porque
De gozar sem poder
E de querer
Livremente se dar
E receber
Toda dádiva humana
Contida num único gesto
Manifesto de Prazer !

 FC